Canudos
Antônio Conselheiro iniciou suas
peregrinações pelo sertão baiano no início da década de 1870. A República foi
proclamada e Conselheiro continuou a percorrer cidades, vilas e arraiais, reformando
igrejas e cemitérios, construindo açudes e capelas, recebendo ajuda ou enfrentando
hostilidades por onde passava. Cada vez mais ouvido pelos sertanejos, consolidava seu
papel de líder e formava, a cada dia, um séquito de "conselheiristas",
dando-lhes esperança e ajuda na luta contra as agruras de uma organização social
profundamente injusta.
No início da década de 1890, Conselheiro já era um grande incômodo
para as lideranças políticas e religiosas da região e para a própria República
nascente , que precisava consolidar seu ideário e poder. No ano de 1893, foram
mobilizadas forças policiais com o intuito de prender Antônio Conselheiro. Derrotadas em
Masseté, município de Tucano, o prestígio do construtor-peregrino seria
consideravelmente ampliado entre os sertanejos. Diante destas ameaças, Conselheiro
resolve fundar um novo arraial para congregar seus seguidores. O lugar escolhido foi
Canudos.
Se Conselheiro representava um problema para as autoridades locais, seu
arraial se tornaria um problema ainda maior para os coronéis do sertão, dada a crescente
afluência de camponeses para o mesmo e o conseqüente esvaziamento da força de trabalho
empregada nos latifúndios dos grandes proprietários. Os seguidores de Conselheiro eram
considerados elementos desestabilizadores da nova ordem republicana, pois não pagavam
impostos, possuíam uma organização econômica autônoma, mantendo comércio com outras
comunidades da região, estabelecendo uma milícia própria, inclusive com um presídio
local. Tal situação tornava o Belo Monte um verdadeiro Estado dentro da
recém-inaugurada República Brasileira.
O estopim da Guerra de Canudos foi um episódio sem importância que
faria eclodir uma verdadeira tragédia: com a proximidade do término da construção da
igreja nova do Belo Monte, Antônio Conselheiro solicitou, como de hábito, ao Coronel
João Evangelista Pereira e Melo, a compra de uma partida de madeira em Juazeiro, para a
cobertura do templo. Era junho de 1896. O Juiz de Direito Arlindo Leoni, antigo desafeto
do peregrino, aproveitou a questão da compra da madeira para retaliar a figura de
Conselheiro, convencendo o negociante encarregado da encomenda a não entregar o pedido,
que já havia sido pago. Diante de tal fato, Conselheiro decidiu enviar um grupo de seus
seguidores para apanhar a referida madeira. Aproveitando a situação de tensão que se
instalou, Leoni mandou telegramas ao Governador da Bahia Luís Viana, avisando-o de uma
possível invasão dos adeptos de Conselheiro e pedindo providências. Foi assim que
surgiu a primeira expedição contra Canudos.
Comandada pelo Tenente Manuel da Silva Pires Ferreira, e formada por
três oficiais, 113 praças, um médico, dois guias e uma ambulância, essa expedição
partiu de Salvador no dia 6 de novembro de 1897, chegando a Juazeiro no dia seguinte.
Após cinco dias, o comandante da expedição resolveu atacar Canudos. Aparentemente, o
arraial havia sido abandonado. Mas, na madrugada do dia 21, as tropas do exército foram
surpreendidas pelos sertanejos de Conselheiro. Estabelecido o confronto e a conseqüente
retirada das tropas legais do teatro de operações, a popularidade do peregrino
aumentaria ainda mais entre os seus seguidores.
Ao receber a notícia do desastre da primeira expedição, Luís Viana
organizou uma segunda, esta sob o comando do Major Febrônio de Brito, que contava com 10
oficiais, 609 praças do exército e da polícia estadual. Os aliados do Conselheiro
conheciam o movimento das tropas pelos contatos que tinham em Monte Santo e em outras
regiões vizinhas. Durante a travessia do Morro do Cambaio, travaram várias batalhas,
utilizando a estratégia de usar trincheiras, em sua maioria naturais, e
franco-atiradores, para enfraquecer o inimigo, física e emocionalmente. Nas proximidades
do arraial, travou-se a luta final dos sertanejos contra o já desgastado exército
republicano, que não teve êxito em sua tentativa de destruição de Canudos.
Desmoralizado, o governo formou uma terceira expedição a Canudos, que
era visto pela imprensa como um antro monárquico e perigoso. Para o comando, foi nomeado
o Coronel Antônio Moreira César , conhecido pela violência de suas ações,
principalmente por seu desempenho na repressão à Revolução Federalista, onde ficou
conhecido por corta-cabeças. O comandante partiu com uma tropa de 1600 homens, canhões
Krupp, munições, mantimentos, ambulâncias, dois médicos e dois engenheiros militares.
No caminho para o Monte, foram atacados por piquetes conselheiristas, que hostilizavam os
soldados sem atacá-los diretamente, devido à desproporção de homens e armamentos. Para
Conselheiro e seus seguidores, cada vez mais se colocava o desafio de enfrentar um
exército em maior número e com melhores armamentos. Na manhã do dia 3 de março, os
tiros de canhão dirigidos ao arraial davam início à batalha. Depois de três horas de
intenso combate, Moreira César foi ferido mortalmente, assumindo seu lugar o Coronel
Pedro Tamarindo, que não conseguiu tomar a cidadela, e recuou. Ao amanhecer, os soldados
tomaram conhecimento da morte de Moreira César e da decisão de retirada das tropas, o
que gerou uma debandada geral, possibilitando um ataque dos conselheiristas pela
retaguarda, o massacre das tropas, e a expropriação do armamento e munição pelos
jagunços, preparando-os para os longos embates do ato final da guerra.
A fragorosa derrota de mais uma expedição militar contra Canudos
repercutiu bombasticamente por toda a República. Na cidade do Rio de Janeiro, então
Distrito Federal, além de distúrbios de rua, os jornais A Gazeta da Tarde, O Apóstolo e
Liberdade ( de tendência monarquista) foram depredados e o jornalista Gentil de Castro
foi assassinado. Na capital paulista, o jornal O Comércio de São Paulo também foi
tirado de circulação. A vergonha de um numeroso e bem armado destacamento militar posto
a correr pelos jagunços broncos e mal-armados liderados por um religioso fanático
deixaria a Nação em verdadeiro estado de histeria. Neste clima, é organizada a quarta
investida militar contra o reduto conselheirista, esta comandada pelo General de Brigada
Artur Oscar de Andrade Guimarães, dividida em duas colunas que assaltariam o arraial do
Belo Monte a partir de Queimadas, via Monte Santo - Primeira Coluna, sob o comando do
General João da Silva Barbosa -, e de Aracaju - Segunda Coluna, sob o comando do General
Claudio do Amaral Savaget. Envolvendo quase a metade( 10.000 homens) do efetivo do
Exército nacional de então, destacamentos das polícias militares dos Estados do
Amazonas, Bahia, Pará e São Paulo e, no ato final, uma expedição de reforço ( a
brigada de Girad ), um comboio de reabastecimento e a presença no teatro de operações
do próprio Ministro da Guerra, Marechal Carlos Machado de Bittencourt que, da base
militar de Monte Santo, organizou e dirigiu a logística que levaria à vitória o
Exército Republicano. De junho a outubro de 1897 republicanos e sertanejos travariam
inúmeros combates nas duas frentes de batalha, sendo interceptados diversos comboios de
suprimento das tropas federais pelos jagunços, levando a Quarta Expedição quase à
derrota.
Como saldo macabro da mais cruel luta fratricida de nossa História restariam dezenas de milhares de mortos, o massacre e a destruição completa do Arraial do Belo Monte, o degolamento de numerosos prisioneiros de guerra e o fim da tentativa de construção de uma sociedade fraterna em pleno sertão baiano do século XIX.
Para Euclides da Cunha, fechando os Sertões:
"Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a História, resistiu até o esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados." ( Cunha - Op. cit. p. 407.)